"Alunos"

Símbolo do bom desempenho no ensino médio público e um exemplo acumulador de aprovações em vestibulares no último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de 2019, o Governo do Ceará fechou escolas e suspendeu as aulas presenciais como protocolo emergencial de combate à contaminação do novo coronavírus. O que era antes somente o decreto N° 33.510 de quinze dias, se estendeu para um confinamento de meses. Conforme as autoridades do estado surgiam especificando o distanciamento social e prevendo o risco de atraso do calendário letivo, escolas passaram a revisar grades de conteúdo e o ensino teve de ser adaptado para o virtual, construindo uma enorme fronteira entre os alunos e o acesso democrático à educação.
Apesar dos colégios particulares terem adotado esse modelo de ensino com menos dificuldade em comparação às escolas da rede pública, segundo levantamento do G1 Portal de Notícias junto à Secretaria do Estado da Educação do Ceará (Seduc-CE), as escolas estaduais começaram a implantar atividades à distância com um atraso de dois meses, e índices desta pesquisa mostram que essa adesão não atinge todos os alunos. Isso significa que parte relevante dos estudantes não assistem aulas virtuais por não possuírem acesso a internet ou a dispositivos desta conexão. Outras formas encontradas para transmissão do ensino foi a impressão dos conteúdos e as mídias de TV aberta ou via rádio, como a TV Assembleia e a Rádio Comunitária Paz FM.
* Ilustração de João Estelito
Erivânia da Costa, 17, estudante do 3° ano do ensino médio de uma escola profissionalizante, em que cursa administração, mora em uma zona rural do interior de São Gonçalo do Amarante (CE), onde os pais trabalham como agricultores. Atualmente, está se preparando para prestar vestibular para o curso de Letras-Português na Universidade Federal do Ceará (UFC), sendo que as dificuldades de sua localização no alcance da internet dificultam essa meta.
A estudante mora um pouco afastada do centro, sendo o ponto comercial mais próximo a 5 km de distância de sua casa. “É difícil a conexão chegar onde moro, a minha rede é via satélite, pagamos bem caro. Em dias chuvosos, esse serviço cai e não consigo acessar. Aqui em casa somos cinco, mas somente dois trabalham, então o custo é muito alto”.
Ela pontua que, por vezes, os seus pais não conseguiram pagar a conta de internet e, para ter acesso às aulas, foi um grande sacrifício. Os pais de Erivânia realizam um pagamento mensal equivalente a 20% de um salário mínimo, ou seja, R$ 220,00. A estudante enfrenta outras dificuldades nas aulas remotas que vai do uso de aplicativos, passa por manter a concentração nos estudos, até a necessidade de conciliar as atividades domésticas com as escolares. Até mesmo a movimentação e o barulho dentro de sua casa contribuem para a dificuldade de raciocínio. Além disso, a principal ferramenta de estudo é o celular, que já possui três anos de uso e apresenta falhas durante as aulas, enfraquecendo ainda mais sua compreensão do conteúdo.

"Sem o celular não vou poder assistir as minhas aulas", lamenta Erivânia
* A estudante Erivânia da Costa relata dificuldades com o ensino na pandemia
A psicóloga educacional Débora Conde considera mais fácil a concentração do aluno na aula presencial. "No ambiente escolar, os professores observam os alunos e as dúvidas podem ser tiradas naquele instante", esclarece. Já em casa, existem fatores que deixam os estudantes desconcentrados, como ficar horas à frente do computador, interagir com outras pessoas online, seguir um ritmo de aulas e acompanhar intercorrências por conta do congestionamento da internet, às vezes até mesmo do próprio professor.
De acordo com a Seduc, a falta de acesso à internet não é a única preocupação que dificulta as atividades escolares no ensino remoto. Um fator determinante é a organização da estrutura familiar, muitas vezes dispostas em condições numerosas para coabitar residências de um ou dois cômodos e que não permitem aos estudantes um espaço adequado para as atividades escolares. Numa escala nacional, 57% dos estudantes são moradores de favelas ou comunidades e 24% não estão tendo acesso a nenhum tipo de conteúdo ou interação com a escola e professores durante a pandemia. As razões identificadas pelo estudo são falta de acesso à internet (23%), dificuldade de acompanhar o conteúdo recebido (20%), falta de equipamentos tecnológicos (15%) e falta de interesse em realizar as atividades no modo remoto (15%).

* Infografia por João Estelito
Escala para os vestibulares
Em 2020, a edição anual do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) protagonizou a remarcação da data de sua aplicação e até disputa judicial para um novo adiamento devido ao agravamento da pandemia. A prova, inicialmente marcada para acontecer em novembro daquele ano, só veio a ser aplicada em janeiro deste ano e, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), foi marcada pelo menor registro de inscrições desde 2010. O Ceará contabilizou abstenções abaixo da média nacional, com 48% de ausências na primeira prova e 51% no segundo dia.
*A pedagoga coordenadora de gestão do ensino médio da Seduc fala sobre as abstenções no ENEM 2020

* Infografia por João Estelito
Ainda sobre apontamentos do Inep, na edição de 2019, 22,4% dos estudantes alegavam não possuir acesso à internet, e 46% não tinham computador em casa. Considerando a situação sanitária do país, que resultou no fechamento das escolas brasileiras por praticamente o ano todo e a incorporação do ensino remoto, estudantes passaram a enfrentar mais dificuldades para garantir a tão almejada vaga na faculdade de interesse.
Ingrid, 17, é mais uma das estudantes que enfrenta esses desafios, sendo aluna de uma escola estadual de Fortaleza. A vestibulanda não esperou o governo decidir se retornaria às aulas presenciais ou daria continuidade ao ensino remoto para começar seus estudos para os vestibulares. Seu colégio só teve autorização para iniciar as atividades onlines na segunda semana do mês de fevereiro e o material impresso só foi entregue em abril, devido ao lockdown de contenção da 2° onda do coronavírus, quase dois meses depois do início das aulas virtuais. "Não tínhamos a menor ideia sobre o retorno. A escola não nos falou nada, ficamos completamente no ‘limbo’. Será que estudo sozinha? Como vai ser? Eu percebi que não iriam começar tão cedo", conta.
Com as aulas iniciadas, a estudante passa por uma rotina semanal de quatro aulas por dia num tempo reduzido de 40 minutos cada, no presencial as aulas duravam 50 minutos. "Eu acho pouco, porque estou no 3° ano do pré-vestibular. Quanto mais aulas melhor. Essa corrida para chegar na vaga da faculdade é muito grande", ressalta Ingrid.
Outra complicação sofrida pela estudante no início do ano letivo foi a falta de material físico, o atraso da entrega se deu por conta do 2° lockdown e acabou atingindo seu rendimento, por estar acostumada com o hábito de grifar leituras e fazer resumos. "Agora que estou com os livros, sinto que meu estudo está muito mais proveitoso do que antes. Porém, realmente demorou muito pra isso. Inclusive era uma queixa muito grande dos alunos. Principalmente dos terceiros anos".
Em uma reportagem publicada pelo Jornal Diário do Nordeste, o Ceará se encontra em quarto lugar no ranking nacional das localidades em que mais estudantes receberam os materiais didáticos - onde apenas 6,1% ficaram sem este acesso - atrás do Paraná (3,4%), Santa Catarina (3%) e do Mato Grosso do Sul (2,9%). O resultado foi melhor que o de São Paulo (6,2%) e de Rondônia (6,9%), que aparecem na sequência. Apesar da posição privilegiada, a diferença com os três primeiros posicionados é visível, chegando a ser quase o triplo com o primeiro colocado.
Já para Erivânia, que vem da escola profissionalizante de tempo integral, o seguimento das atividades no 3° ano tem sido frustrante. O plano inicial da estudante era focar inteiramente seus estudos na escola, como aluna da grade integral, seu acesso a laboratórios de informática com bons computadores e bibliotecas de pesquisas eram garantidos, além das consultas diretas aos professores para tirar dúvidas e o ciclo de integração com seus colegas. Tudo isso foi impossibilitado pela pandemia e se tornou mais estressante com a dependência virtual. "Em casa você tem o que? Os meios digitais para fazer isso, mas não é a mesma coisa. Dificilmente vai ser", explica.

*ilustração por João Estelito
De acordo com a pedagoga Iane Nobre, coordenadora da gestão do ensino médio na Seduc, a secretaria está trabalhando em uma busca ativa por alunos vestibulandos das redes públicas que têm enfrentado obstáculos nos estudos. "O objetivo é continuar engajando esses estudantes. Porque esse engajamento quando eles estão no presencial é uma coisa que acontece no coletivo e no remoto é um engajamento mais pra saber se todos estão conseguindo estudar, se estão tendo acesso ao material impresso pelas escolas e se estão tendo êxito nas aulas de vídeo chamada", pontua.